19.3.06

18 000 Pintos



ou a crónica de um sábado surrealista!
A custo tinha combinado uma reunião com o empreiteiro na Murtosa, saída do Porto com o meu pai às 8.30, já com chuva. Ainda na A1 decide-se um pequeno desvio, é mais um bocadinho à frente, Albergaria-a-velha, a dona Clara já lá está, tenho de fazer umas colheitas a uns pintos porque está tudo histérico. A exploração, com capacidade para trinta e seis mil aves, fica no meio do eucaliptal, depois de um quilómetro em estradão de terra, somos recebidos pelo ladrar de seis canídeos, dois pastores alemães, dois castro-laboreiro e dois indeterminados, um baixo e um médio. A dona Clara descreveu-me minuciosamente como os aldeões tinham de apresentar uma guia de baixa por cada galinha que comessem das suas capoeiras, -é arquitecto, interveio o pai, não percebe nada disso! , -exigências novas do Ministério, dizia, -já só faltam mais quatro! -o s’otor não acha um bocado exagerado?!, enquanto o meu pai, de mão trémula mas decidida, continuava a encher pequenos tubos de amostra na medida em que degolava os indefesos bichos a golpes de bisturi, já não me recordava de tal espectáculo desde os meus doze anos. - Sacrificamos dez pela saúde de dezoito mil, dizia consolando-se. Entretanto o castro-laboreiro mais esguio, macho pareceu-me, roçava-me a perna com a pata, implorando-me umas festas, eu ignorava-o, -só faltam dois! , os que me custaram mais, até me afastei um pouco!
Um par de manobras e já rumávamos em direcção à Murtosa, quando chegamos reparei numas pontas de palha que saíam da caleira, associei o facto de imediato às queixas do meu pai, meses atrás, de que se infiltrara água através do telhado. Pedimos uma escada de oito metros ao Zé Horta e lá fui eu ver o que se passava, do cimo da instável escada tirei três quilos de lama, palha, vespas e cadáveres de pardais de cada lado da caleira, -estavam entupidos os tubos de queda? - claro que estavam entupidos! Depois da reunião, da qual vos vou poupar, já no regresso ao Porto, o pai encomendou o almoço a uma famosa churrascaria, - uma dose de costeletas e dois frangos, tudo em embalagem metálica!; - não achas dois um bocadinho exagerado?; - temos de fazer ver a gente que comer frango é bom, que não há nada a temer!; - ok!
Tinha prometido à minha irmã montar-lhe umas coisas durante a tarde na clínica, por esta ordem: dez cadeiras, um espelho, um suporte de papel, um foco, um relógio, seis quadros, quatro portas de correr.
Às 6.30 a rentrée duma certa loja de mobiliário e não só em Rebordosa, repito Rebordosa, -um convite que educadamente não podia recusar, ora A4, saída Campo, sempre em frente, primeira à esquerda e já está.
A novidade eram os trapos, a loja passou também a incluir trapinhos no menu, espreitei um top de algodão com um ar original de bordados à mão e fiquei indeciso se o número da etiqueta era a referência ou o preço, depois percebi que por aquele preço compraria metade do meu guarda-roupa!
O Murganheira estava delicioso e havia umas taças de morangos inteiros óptimos, a decoração era feita à laia de cenário com uns quadros sotúrnicos, que invariavelmente representavam mulheres, com técnicas que iam das aplicações de gesso às entornadelas de verniz, passando pela pincelada a óleo e colagem de cacos de espelho obsessiva. Alguém comentou que se sentia numa novela, ao início não percebi, disseram-me então que estavam presentes meia dúzia de jovens actores que fazem felizes os amantes de novela, é possível que tenha reconhecido alguém com cara de refrigerante!

Depois chamaram-me, -aquelas pinturas de que falavas há pouco estão à venda!; -não posso crer com catálogo e tudo! Os quadros que inicialmente julguei terem sido produzidos para fim decorativo desta ocasião, dado a ligeireza do uso de variadas técnicas na mesma peça e a medíocre representação dos modelos femininos, em particular as mãos, estavam à venda, o preço mais baixo ultrapassava a fasquia do meu salário! Chissa!

A artista apresenta-se numa fotografia a p&b com um ar displicente sentada numa sanita com uns envolventes óculos escuros, o nome dela era, lembro-me agora qualquer coisa Pinto.



5 Comments:

Blogger patchouly said...

Ah grande JC! Quando tiveres um espacinho livre passa cá por casa para pintar o tecto da entrada por causa da infiltração de água do outro dia OK? E já agora fazias-me um kit à bomba do aquário que parece que está a definhar. Será razão para pedir ao teu pai uma qualquer colheita ao peixe? Parece-me demasiado obeso, o sacana.
Pra rematar o teu sábado só mesmo se te aparecesse o Sr. Pinto, o de Resende, lembras-te?

Bela posta ò JC!

20/3/06 12:20 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Hajam mais sábados assim! Eheh

20/3/06 12:58 da manhã  
Blogger Unknown said...

Grande Sábado!
:D

20/3/06 9:23 da manhã  
Blogger Sinapse said...

JC, grande texto! (e looongo Sábado)

Gostei do tom!

20/3/06 7:03 da tarde  
Blogger JC said...

não é o primeiro sábado destes, é provavelmente o primeiro que ponho assim a nu!
obrigado.

20/3/06 11:48 da tarde  

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